Agora é nossa vez. Sigo perguntando o que significa nós, comunidade, encontro, povo. Sonho com isso: houve o Paraíso, depois o Império Colonial, depois o Imperialismo da Nova Colônia em luta cerrada com as novas possibilidades do Estado Moderno Republicano e da Democracia; e agora nós. Isso aqui é um diário íntimo, e nele falo apenas de mim, desdobrando-me nos outros para me estudar, não para acusar, nem para confessar que falo bobagem imaginando o passado no presente desconsiderando as imensas diferenças. Pode ser que eu erre muito a mão nos exames, quando penso sobre mim. Cristã demais, devo pertencer a alguma seita, sei que devemos comungar em algum lugar. Aqui em casa gostamos da Gabz, da NaBrisa, de tanta coisa e dos canais de notícia no youtube, então no meio de todos esses papos de vez em quando acabo escutando que esses evangélicos são uns %!@$&@#. Direta no olho, porque embora eu tenha passado por uma pequena fase de ateísmo na adolescência, não demorei a constatar minha necessidade de transcendência. Gosto de arte moderna, e vou para o céu tocar harpa para sempre com os olhinhos revirados para cima, entoar cantos gregorianos e agitar um gospel no coro dos estóicos e dos jesuítas, propondo hits e jams de balançar, de arrepiar. Aleluia! Lá na infância e na adolescência, a mamãe sempre falava que queria visitar a prima dela, nas missões Caiuá. Mãe, não há salvação para o outro? Caipira e caipora purinha, ainda não sabia o quanto o outro era eu. Jesus. A mamãe fez um curso de História na FEPAM, atual UNIPAM, enquanto criava três filhos, tendo nascido numa família de agregados, ficado órfã aos quatorze anos, migrado, engravidado, voltado pra casa da vovó Alvina que, meio índia sem saber, moça dançadeira e mulher convertida ao evangelismo evangélico, era a viúva do vovô Alcebíades, valente, caboclo sem se dar conta, cegado de um olho. Sou uma caboclinha. Alguns dos meus ajudam os índios Caiuá e alguns fazem piada de preto, mas têm amigos pretos, índios não que esses já acabaram no atraso de antigamente. Temos reminiscências de nada. Ativos apenas em negar aquilo de que nos acusam: a pele, o jeito, a fé, o gosto, a curiosidade, a prosa besta solta em variações perdidas na genealogia dos povos “sem história”. O espelho segue repartido em seus bis, tris, zis, xlhões de nanocaquinhos: gays homofóbicos, pobres de direita, negros nazistas, funcionários públicos defensores do Estado Mínimo, mulheres anti-feministas defensoras da família tradicional brasileira, motoristas de uber na defesa da Reforma da Previdência, judiciário corrupto herói do combate à corrupção, a elite de um território de mais de seis milhões de quilômetros talhado em Tordesilhas matando a boiada inteira para combater carrapato. Hoje é o dia do juízo. E todo dia é véspera.
Agora é nossa vez
E vamos passar
De dentro
Das coisas escuras.
Lu de Oliveira
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